17 de fevereiro de 2016

Tudo é ínfimo

Chicago, IL, USA - University Village: photo January 2 11:07am
Não dá pra descartar o prazer de viajar sozinha. Sozinha mesmo. Entrar em contato consigo e com o que é sentido acerca da definição de mundo. Mesmo que por um certo trecho, um curto espaço de tempo, algo que ressalte uma efemeridade. Tudo é ínfimoInclusive a sensação de infinitude no universo, olhar pela janela ouvindo aquela trilha sonora inspiradora, e viajar... mais ainda, pra dentro de si. 
Às vezes você só quer ouvir o silêncio que você mesmo diz, a solidão de um trajeto aliado à paisagens maravilhosas, que no meu caso, podem ser desde as do Agreste, até visão panorâmica da janela do avião acima das grandes metrópoles americanas, por exemplo, que proporcionam grandes reflexões. Acho que é isso, estar sozinho é se encontrar, é não precisar ou depender. É ir. E a cada experiência desse tipo, por mais que curta, como anteriormente citei, muitas vezes são necessárias. Lugares onde a própria existência e companhia bastam, são lugares para serem preciosamente desfrutados e adorados no mais íntimo dos silêncios, e essa apreciação deverá ser sempre intrínseca à quem a sente, pelo fato do descobrimento ser um processo de magnitude do espírito.
Joyce Gabriella Barros.

4 de fevereiro de 2016

Para amar uma ruiva, por Camila Fernandes

Para amar uma ruiva é preciso haver coração de sobejo. Não que as ruivas não se amem facilmente. Na verdade, é comum que sejam amadas por muitos. Basta às vezes um só olhar para que isso aconteça. É que, uma vez acesa a chama, nunca será pequena; será sempre fogo denso, impiedoso, inquisidor. Portanto, para amar uma ruiva é preciso saber queimar. É preciso brincar sem medo com fogo. E é preciso também respeitá-lo – o fogo que nasce no crânio da ruiva feito cabelo, que lhe afogueia as faces. Um fogo que, quando afrontado, em lugar de aquecer, incinera. Judas tinha cabelos vermelhos, diz-se; como Esaú também os tinha, e antes dele, Caim. Waterhouse pintou Lamia, lenda de sedução, com cabelos vermelhos; as madeixas com que a Vênus de Boticcelli cobre languidamente o sexo não são de outra cor que não a do fogo. Cor que é certamente um sinal de perigo. Sinal claro de divindade. 

Para amar uma ruiva é preciso fitá-la intensamente nos olhos – sejam azuis do mar, verdes dos fiordes ou, mais raramente, castanhos como a terra que os consumirá – e provar-lhe a ausência do medo. Conquistá-la no olhar primeiramente, e só depois no toque – pois tu certamente quererás tocar a pele muito, muito clara, de uma claridade quase ofuscante, mesmo sob o sol maldoso dos trópicos. Quererás isso como teus pulmões querem o ar. Eu sei porque já quis. Mas, antes disso, terás de provocar seu sorriso, e embora sorrisos sejam fáceis na boca-morango da ruiva, não penses que serão todos teus. Alguns serão da tua tolice, da tua presunção, e estes ela te dará sem cerimônia, sem promessa, sem futuro. Serão paina ao vento, macios e inúteis. O sorriso que queres tomar da ruiva é o do fascínio. Pois ela, que fascina, não quer outra coisa que não ser fascinada. Ela é chama, e para incendiar deve ser alimentada com palavras hábeis, coração honesto, virilidade sem disfarces. É preciso atrevimento, mas nunca certeza; ela é amada por muitos, e pode escolher a quem amar. Então, quando obtiveres esse sorriso, estarás pronto para amar uma ruiva.

Para isso, começa sempre no beijo, mas que ele não seja sempre nos lábios-cereja, porque o óbvio a mortifica e ela deseja a surpresa, o ato que lhe faça justiça. Que teu beijo, pois, seja às vezes na superfície interna do pulso, onde veias de sangue azul chamam o olhar e provam que a pele é sensível; às vezes, no canto esquecido abaixo da orelha, que não é nem pescoço nem face, nem amor nem desejo – é algo entre mundos, e estar entre mundos é da natureza da mulher de cabelos carmesim, cobre ou dourado-fogo. Fica, pois, entre os mundos dela, como entre os lábios, entre os braços, entre os seios e afinal entre as coxas. Sem pressa, porém; pois para amar uma ruiva é preciso queimar como boa madeira no inverno: por toda uma noite, aquecendo a casa, crepitando baixo, estremecendo sempre até as cinzas. Para amar uma ruiva é necessário amar-lhe cada sarda, da testa ao ventre, saboreando-as como raspas de canela que temperam a pele-leite.

É preciso consumir-se nos cabelos-labareda. É preciso afogar-se no sexo, rubro jardim sem espinhos, e santificar seu aspecto perpetuamente virginal, a despeito do pecado, que ela te ensinará a adorar, se já não souberes. Para amar uma ruiva – e disso sei por já ter amado muitas – é preciso arder com graça. É preciso amar um pouco o próprio inferno. Por isso, ruiva, se é que deves mesmo me ferir, sê breve: tenho pressa do paraíso.