Falar tudo o que acontece não é lealdade, mas tortura.
Amor é feito também da discrição, não chamar atenção do que não é importante, não criar ciúmes desnecessários. Seu namorado ou sua namorada não tem que saber se recebeu cantada na rua, ou se um ex ressurgiu com lembranças no Facebook, ou se o colega do trabalho lançou uma indireta. Não tem que saber se foi cortejada no WhatsApp ou do professor gostoso da academia. Poupe detalhes que não são recíprocos, que claramente não despertaram o desejo e não afetam o controle dos fatos. É um alarme falso que consome muita energia. Natural a companhia se desesperar com a ameaça de roubo e furto da intimidade a toda hora, não entenderá como brincadeira e charme. Cortar a conversa com pretendentes é o seu único papel, jamais o de relatar e enumerar as investidas. Não cheira bem o autoelogio, é um fede-fede na lapela das palavras.
Amar pressupõe seriedade. Ser o mesmo dentro e fora de casa. Seguir a receita do futebol, onde não basta jogar com a bola, é fundamental jogar sem a bola, respeitando o posicionamento em campo. É constrangedor e infantil se vangloriar de flertes para obter atenção. Indica carência e falta de segurança. A informação de que se sujeita a ficar de papinho somente vai gerar discussões dispensáveis. Quando descreve uma tentativa de aproximação, ainda que frustrada, está sinalizando que a disponibilidade lhe agrada. E também que um mero contato casual é uma ameaça: se não atender ao que peço, tem gente interessada. A reação de quem ama é se afastar. A confiança representa a base da lealdade, e a exposição de concorrência cria o medo de se comprometer. Afinal, a mensagem que passa é a da licitação do seu coração – só falta abrir edital. Sem perceber, valoriza o passe e desvaloriza a relação. Generaliza o amor e apaga a particularidade da conquista, fazendo crer que pode ser qualquer um. Parece que não tem exigências e que é uma presa fácil da bajulação. Deixe para brigar por questões fundamentais. Não exercite a desconfiança, que ela pode não parar mais. Não troque o amor pela neurose. Neurose é banalizar a implicância.
Publicado no jornal Zero Hora
Página 4 - edição 18461
Porto Alegre, 01/3/2016