2 de março de 2016

''Ciuminho'', por Fabrício Carpinejar

Falar tudo o que acontece não é lealdade, mas tortura.

Amor é feito também da discrição, não chamar atenção do que não é importante, não criar ciúmes desnecessários. Seu namorado ou sua namorada não tem que saber se recebeu cantada na rua, ou se um ex ressurgiu com lembranças no Facebook, ou se o colega do trabalho lançou uma indireta. Não tem que saber se foi cortejada no WhatsApp ou do professor gostoso da academia. Poupe detalhes que não são recíprocos, que claramente não despertaram o desejo e não afetam o controle dos fatos. É um alarme falso que consome muita energia. Natural a companhia se desesperar com a ameaça de roubo e furto da intimidade a toda hora, não entenderá como brincadeira e charme. Cortar a conversa com pretendentes é o seu único papel, jamais o de relatar e enumerar as investidas. Não cheira bem o autoelogio, é um fede-fede na lapela das palavras. 

Amar pressupõe seriedade. Ser o mesmo dentro e fora de casa. Seguir a receita do futebol, onde não basta jogar com a bola, é fundamental jogar sem a bola, respeitando o posicionamento em campo. É constrangedor e infantil se vangloriar de flertes para obter atenção. Indica carência e falta de segurança. A informação de que se sujeita a ficar de papinho somente vai gerar discussões dispensáveis. Quando descreve uma tentativa de aproximação, ainda que frustrada, está sinalizando que a disponibilidade lhe agrada. E também que um mero contato casual é uma ameaça: se não atender ao que peço, tem gente interessada. A reação de quem ama é se afastar. A confiança representa a base da lealdade, e a exposição de concorrência cria o medo de se comprometer. Afinal, a mensagem que passa é a da licitação do seu coração – só falta abrir edital. Sem perceber, valoriza o passe e desvaloriza a relação. Generaliza o amor e apaga a particularidade da conquista, fazendo crer que pode ser qualquer um. Parece que não tem exigências e que é uma presa fácil da bajulação. Deixe para brigar por questões fundamentais. Não exercite a desconfiança, que ela pode não parar mais. Não troque o amor pela neurose. Neurose é banalizar a implicância.

Publicado no jornal Zero Hora
Página 4 - edição 18461
Porto Alegre, 01/3/2016

1 de março de 2016

Pequenas porções de mundo do outro


Existem pessoas do mundo, que derramam-se sobre o nosso mundo, com o poder de simplesmente despertar um imenso apreço, uma profunda identificação. Esse tipo de gente, geralmente é homem, mulher, ou até tanto faz, por si só se bastam, e vivem, para termos crises de catarses (no geral) com elas. Seja na vida, nos livros, na linguagem ou no poema. Elas sempre estarão lá, entendendo você de um modo que nas demais variantes do sistema, chega a ser inexprimível e improvável demais para ser transcrito a energia do grau de parentesco mental. 
Através de escolhas, preferências e gostos, vocês sentem que fazem parte de um rebanho, uma tribo, ou como você queira chamar. O problema, é que de tão iguais, os atritos se atraem, e contestar de fato, gabarita o sistema. 
Controvérsias à parte, ter pessoas diferentes vinculadas a si é uma forma de conciliação à sociedade, pois, sendo necessária a essência de uma mescla garimpada uma a uma, ligeiramente a personalidade remonta-se a partir de outras tantas e passa a ser eximiamente particular mesmo que fracionada. Mas sim, aquela pessoa, igual a você - em cores e olências, maturidade e no riso - ainda na sanidade, pairará com você. Porque gosto não se discute, não se mistura, se alinha às possibilidades das reminiscências de cada um, e faz da modéstia um caso alheio, capaz de ter no outro uma parte sua, transformar em troca e transitar por si em um lugar longínquo, de dentro para fora.
Joyce Gabriella Barros.