30 de abril de 2014

Gritos da juventude de 1968

    Se você o último post, o texto "A música dos valores perdidos", do jornalista José Telles, acerca da qualidade musical na qual estamos totalmente inseridos atualmente, mesmo que por algum tipo de obrigação, é indispensável articular esse discurso de Caetano Veloso enroupado com "plástico verde", em 15 de setembro de 1968 na terceira edição do Festival Internacional da Canção Popular, o FIC, da TV Globo.          
   Ele trouxe para o festival “É Proibido Proibir”, uma canção que evocava um dos gritos da juventude numa frase pintada em muros de Paris durante os movimentos estudantis ocorridos em maio de 1968, e foi recebido pelo público com uma intensa vaia, ao que reagiu fazendo um discurso inflamado com frases de antologia em que criticava a juventude por sua postura conservadora, veja: 

      "Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê‑la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso! Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem… se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês… O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto! Fora do tom, sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora. Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver. Chega!"



É possível ouvir o discurso na íntegra, clicando aqui.

28 de abril de 2014

"A música dos valores perdidos", por José Teles

Tem rapariga aí? Se tem levante a mão!”. A maioria, as moças, levanta a mão.

Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero). As outras são “gaia”, “cabaré”, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhando uma música da banda Calipso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto. Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de “forró”, e Ariano exclamou: “Eita que é pior do que eu pensava”. Do que ele, e muito mais gente jamais imaginou.

Pruma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta “desculhambação” não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de “forró”, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético,. Pior, o glamur, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

A cantora Ceca foi uma espécie de Ivete Sangalo do turbo folk (ainda está na estrada, porém com menor sucesso). Foram comprados 100 mil vídeos do seu casamento com Arkan, mafioso e líder de grupo para-militares na Croácia e Bósnia. Arkan foi assassinado em 2000. Ceca presa em 2003. Ela não foi a única envolvida com a polícia, depois da queda de Milosevic, muitos dos ídolos do turbo folk envolveram-se com a justa pelo envolvimento com a poderosa máfia de Belgrado.

A temática da turbo folk era sexo, nacionalismo e drogas. Lukas, o maior ídolo masculino do turbo folk pregava em sua música o uso da cocaína. Um dos seus maiores hits chama-se White (a cor do pó, se é que alguém ignora), e ele, segundo o Guardian, costumava afirmar: “Se cocaína é uma droga, pode me chamar de viciado”. Esteticamente, além da pouca roupa, a sanfona é o instrumento que se destaca tanto no turbo folk quanto no chamado forró eletrônico, instrumento decorativo, ali muito mais para lembrar das raízes da música tradicional. Ressaltando-se que não se tem notícia de ligação entre bandas de “forró” e crime organizado. No que elas são iguaizinhas é que proliferaram em meio a débâcle de valores estéticos, morais, e éticos, e despolitização da juventude. Com a volta da governabilidade nas repúblicas da antiga Iugoslávia, o turbo folk perdeu a força, vende ainda porém muito menos do que no passado, hoje é apenas uma música popular para se dançar, e não a trilha sonora de um regime condenado por, entre outras lástimas, genocídio.

Aqui o que se autodenomina “forró estilizado” continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem “rapariga na platéia”, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção ?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é “É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!”, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

JOSÉ TELES Como quase todo pernambucano, nasceu na Paraíba (Campina Grande); Começou no jornalismo, em 1980, no extinto Correio de Pernambuco, onde passou apenas três meses, vindo em seguida para o Jornal do Commércio. Foi repórter esportivo até 1984. Depois de um tempo fora da grande imprensa, escrevendo no Pasquim, no jornal de humor O Papa-Figo (fundado por ele, Ral e Bione em 1984), voltou ao JC em 1987, como crítico musical, função que exerce até hoje. Em 1992, passou a escrever uma cronica semanal, na coluna Curto & Grosso, Teles também é escritor


Infelizmente é essa juventude do ''quanto pior, melhor'' que tomará as rédias do futuro no nosso país, o conteúdo estético dos dias de hoje, terá reflexos amanhã. 


23 de abril de 2014

Sob os efeitos tônicos da madrugada fria e dosagens altas de substâncias catastróficas

Eu sei, é madrugada, mas não consigo dormir, tampouco sei se chega a fazer sentido tudo o que há abaixo, imagens psicodélicas circundam a minha mente, e esse já é a sexta vez que ouço "Sirens" sem parar, mas eu precisava desoprimir, e essa foi a forma que encontrei de soprar o vento e a mágoa que levo de mim mesma, que soterrava o meu coração:



Você está prestes a cometer um erro, mas pensa bem, e vê, não vale a pena. Porém, um sagaz sopro conspirador do que muitos chamam de destino, te induzem, te fazem cometer tal delito com sede tão perversa que atinge seu próprio ser, sem transpor o respirar. A fala se transgride, faz com que os nervos do coração comecem a palpitar pro pior, e a sua mente cria um sensacionalismo acima daqueles receios que nunca existiram de fato. Ninguém é atrevido suficientemente a ponto de pedir perdão por aquilo que não fez por mal, ou talvez até tenha feito, mas quem disse que isso vem ao caso? Existem conjecturas que nos transmitem concomitâncias que são reprovadas automaticamente pelas ordens dos dias, perante o roteiro impetuoso que a vida consiste em se lançar para cumprir tabela. 

Manter a calma, esvair-se do som, de um futuro que te espera, não é demais. Jamais esquecendo que a clareza dos seus dias, poderão vir adiante, se você permitir, que simplesmente seja feito o balanço dos seus desperdícios até o determinado ponto em que se encontra a vida atual. De nada adianta ser absolvido, os estigmas sempre ficarão cravados na pele como uma âncora finca um barco no mar, serão sempre necessários fatos que comprovem a displicência para justificar a transgressão, e que nunca poderão ser outra vez mais vistas, sempre haverão suspicácias infindáveis amarradas à sola do sapato, munido daquilo que chamam de compaixão inexistente, então, apenas pergunto, de que adianta? Apesar dos giros do mundo serem cíclicos e muitas coisas acabarem voltando sempre pro mesmo lugar, apesar de tudo estar abarrotado de reminiscências, cabe a si mesmo o papel de continuar, seguir em frente, ver onde tudo vai acabar, e ainda assim, chegar até certo ponto, e apenas concordar, que se as coisas suscetíveis foram até aqui, é porque era hora de parar.

Joyce Gabriella Barros.