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27 de janeiro de 2017

O mais bonito do amor, por Tales Ab'Sáber

"Mas o amor, sem duvida é uma arte, um aprendizado, uma aventura e um risco, vividos ao mesmo tempo. Tudo parece indicar que duas pessoas não dizem a mesma coisa quando dizem amor. Esta inevitável divisão é a base da mais triste das guerras e do mais utópico e real dos maravillhamentos. O mais bonito sem dúvida no amor é abrir mão de si, o que só ocorre com um quando acontece com dois. Há aproximação e há afastamento. É preciso superar o medo, a doença secreta do amor. É preciso perder-se a si mesmo, para vir a ser, e encontrar-se no outro que também se perdeu: a experiência do amor. Mas nesta grande brincadeira nada pode ser sabido. Viva!"

ABSABER, Tales.
January 18 at 1:51am

2 de março de 2016

''Ciuminho'', por Fabrício Carpinejar

Falar tudo o que acontece não é lealdade, mas tortura.

Amor é feito também da discrição, não chamar atenção do que não é importante, não criar ciúmes desnecessários. Seu namorado ou sua namorada não tem que saber se recebeu cantada na rua, ou se um ex ressurgiu com lembranças no Facebook, ou se o colega do trabalho lançou uma indireta. Não tem que saber se foi cortejada no WhatsApp ou do professor gostoso da academia. Poupe detalhes que não são recíprocos, que claramente não despertaram o desejo e não afetam o controle dos fatos. É um alarme falso que consome muita energia. Natural a companhia se desesperar com a ameaça de roubo e furto da intimidade a toda hora, não entenderá como brincadeira e charme. Cortar a conversa com pretendentes é o seu único papel, jamais o de relatar e enumerar as investidas. Não cheira bem o autoelogio, é um fede-fede na lapela das palavras. 

Amar pressupõe seriedade. Ser o mesmo dentro e fora de casa. Seguir a receita do futebol, onde não basta jogar com a bola, é fundamental jogar sem a bola, respeitando o posicionamento em campo. É constrangedor e infantil se vangloriar de flertes para obter atenção. Indica carência e falta de segurança. A informação de que se sujeita a ficar de papinho somente vai gerar discussões dispensáveis. Quando descreve uma tentativa de aproximação, ainda que frustrada, está sinalizando que a disponibilidade lhe agrada. E também que um mero contato casual é uma ameaça: se não atender ao que peço, tem gente interessada. A reação de quem ama é se afastar. A confiança representa a base da lealdade, e a exposição de concorrência cria o medo de se comprometer. Afinal, a mensagem que passa é a da licitação do seu coração – só falta abrir edital. Sem perceber, valoriza o passe e desvaloriza a relação. Generaliza o amor e apaga a particularidade da conquista, fazendo crer que pode ser qualquer um. Parece que não tem exigências e que é uma presa fácil da bajulação. Deixe para brigar por questões fundamentais. Não exercite a desconfiança, que ela pode não parar mais. Não troque o amor pela neurose. Neurose é banalizar a implicância.

Publicado no jornal Zero Hora
Página 4 - edição 18461
Porto Alegre, 01/3/2016

4 de fevereiro de 2016

Para amar uma ruiva, por Camila Fernandes

Para amar uma ruiva é preciso haver coração de sobejo. Não que as ruivas não se amem facilmente. Na verdade, é comum que sejam amadas por muitos. Basta às vezes um só olhar para que isso aconteça. É que, uma vez acesa a chama, nunca será pequena; será sempre fogo denso, impiedoso, inquisidor. Portanto, para amar uma ruiva é preciso saber queimar. É preciso brincar sem medo com fogo. E é preciso também respeitá-lo – o fogo que nasce no crânio da ruiva feito cabelo, que lhe afogueia as faces. Um fogo que, quando afrontado, em lugar de aquecer, incinera. Judas tinha cabelos vermelhos, diz-se; como Esaú também os tinha, e antes dele, Caim. Waterhouse pintou Lamia, lenda de sedução, com cabelos vermelhos; as madeixas com que a Vênus de Boticcelli cobre languidamente o sexo não são de outra cor que não a do fogo. Cor que é certamente um sinal de perigo. Sinal claro de divindade. 

Para amar uma ruiva é preciso fitá-la intensamente nos olhos – sejam azuis do mar, verdes dos fiordes ou, mais raramente, castanhos como a terra que os consumirá – e provar-lhe a ausência do medo. Conquistá-la no olhar primeiramente, e só depois no toque – pois tu certamente quererás tocar a pele muito, muito clara, de uma claridade quase ofuscante, mesmo sob o sol maldoso dos trópicos. Quererás isso como teus pulmões querem o ar. Eu sei porque já quis. Mas, antes disso, terás de provocar seu sorriso, e embora sorrisos sejam fáceis na boca-morango da ruiva, não penses que serão todos teus. Alguns serão da tua tolice, da tua presunção, e estes ela te dará sem cerimônia, sem promessa, sem futuro. Serão paina ao vento, macios e inúteis. O sorriso que queres tomar da ruiva é o do fascínio. Pois ela, que fascina, não quer outra coisa que não ser fascinada. Ela é chama, e para incendiar deve ser alimentada com palavras hábeis, coração honesto, virilidade sem disfarces. É preciso atrevimento, mas nunca certeza; ela é amada por muitos, e pode escolher a quem amar. Então, quando obtiveres esse sorriso, estarás pronto para amar uma ruiva.

Para isso, começa sempre no beijo, mas que ele não seja sempre nos lábios-cereja, porque o óbvio a mortifica e ela deseja a surpresa, o ato que lhe faça justiça. Que teu beijo, pois, seja às vezes na superfície interna do pulso, onde veias de sangue azul chamam o olhar e provam que a pele é sensível; às vezes, no canto esquecido abaixo da orelha, que não é nem pescoço nem face, nem amor nem desejo – é algo entre mundos, e estar entre mundos é da natureza da mulher de cabelos carmesim, cobre ou dourado-fogo. Fica, pois, entre os mundos dela, como entre os lábios, entre os braços, entre os seios e afinal entre as coxas. Sem pressa, porém; pois para amar uma ruiva é preciso queimar como boa madeira no inverno: por toda uma noite, aquecendo a casa, crepitando baixo, estremecendo sempre até as cinzas. Para amar uma ruiva é necessário amar-lhe cada sarda, da testa ao ventre, saboreando-as como raspas de canela que temperam a pele-leite.

É preciso consumir-se nos cabelos-labareda. É preciso afogar-se no sexo, rubro jardim sem espinhos, e santificar seu aspecto perpetuamente virginal, a despeito do pecado, que ela te ensinará a adorar, se já não souberes. Para amar uma ruiva – e disso sei por já ter amado muitas – é preciso arder com graça. É preciso amar um pouco o próprio inferno. Por isso, ruiva, se é que deves mesmo me ferir, sê breve: tenho pressa do paraíso.

13 de outubro de 2015

Intimidade: prós e contras, Martha Medeiros (1999)

imagem: tramp.com.br
        As pessoas desancam o casamento. Dizem que o amor mingüa, que o sexo começa a rarear, que a rotina é acachapante. Dizem, dizem, mas as pessoas seguem casando e mantendo-se casadas por quilométricos anos. Qual é a boa dessa história? Uma jóia chamada intimidade. Íntimos, muitos acreditam, são duas pessoas que possuem relações físicas e emocionais entre si. É bem mais que isso. Intimidade é você não precisar verbalizar tudo o que pensa, é aceitar a solidão do outro, é estarem familiarizados com o silêncio de cada um. Intimidade é não precisar estar linda em todos os momentos, não precisar ser coerente em todas as atitudes, é rirem juntos de uma história que só eles conhecem o final. Intimidade é ler os olhos, os lábios e as mãos de quem está com você. Mais do que repartir um endereço, é repartir um projeto de vida. Não basta estar disponível, não basta apoiar decisões, não basta acompanhar no cinema: intimidade é não precisar ser acionado, pois já se está mentalmente a postos. Intimidade é não ter vergonha de ser o que a gente é, não precisar explicar coisa alguma, ser compreendido e brigar sabendo que nada irá se romper. Intimidade é não precisar andar na ponta dos pés pelos corredores de uma vida compartilhada. Muitos mantém-se casados por causa desse idílio que é não precisar se anunciar todo dia como um investimento seguro, podendo inclusive usar aquelas camisetas puídas e comer o "s" de um palavra no plural sem que a sua cotação desabe. Só há uma coisa ruim na intimidade: a falta que faz um pouco de cerimônia. Calcinhas penduradas no banheiro, o telefonema sempre na mesma hora da tarde, o arroto que dispensa o pedido de desculpas, o lençol amarfanhado, a TPM todo santo mês, o mesmo perfume, as mesmas reações, o mesmo cardápio. O lado negro de um matrimônio feliz. 
      O casamento dá uma intimidade rara, apaziguadora, salutar. Não há máscaras nem teatro: é o habitat natural de um homem e de uma mulher que se querem como são. A intimidade salva as relações extensas, a não ser quando as corrói. Contradição maquiavélica. O melhor e o pior dos mundos, nos obrigando a escolher entre o habitual e a novidade, entre a paz e a adrenalina, entre a rede e o salto. Sedução x segurança: que vença o melhor.

23 de setembro de 2015

Assim falou Zaratustra, p. 17 - 19

Eu só amo aqueles que sabem viver como que se extinguindo, porque são esses os que atravessam de um para o outro lado. Amo os grandes desdenhosos, porque são os grandes adoradores, as setas do desejo ansiosas pela outra margem. Amo os que não procuram por detrás das estrelas uma razão para morrer e oferecer-se em sacrifício, mas se sacrificam pela terra, para que a terra pertença um dia ao Super-homem. Amo o que vive para conhecer e quer conhecer, para que um dia viva o Super-homem, porque assim quer o seu acabamento. Amo o que trabalha e inventa, a fim de exigir uma morada ao Super-Homem e preparar para ele a terra, os animais e as plantas, porque assim quer o seu acabamento. Amo o que ama a sua virtude, porque a virtude é a vontade de extinção e uma seta do desejo. Amo o que não reserva para si uma gota do seu espírito, mas que quer ser inteiramente o espírito da sua virtude, porque assim atravessa a ponte como espírito. amo o que faz da sua virtude a sua tendência e o seu destino, pois assim, por sua virtude, quererá viver ainda e deixar viver. Amo o que não quer ter demasiadas virtudes. Uma virtude é mais virtude do que duas, porque é mais um nó que se aferra o destino. Amo o que prodigaliza a sua alma, o que não quer receber agradecimentos nem restitui, porque dá sempre e não se quer preservar. 

Amo o que se envergonha de ver cair o dado a seu favor e que pergunta ao ver o tal: "Serei um jogador fraudulendo?" porque quer submergir-se. Amo o que solta palavras de ouro perante suas obras e cumpre sempre com usura o que promete porque quer perecer. Amo o que justifica os vindouros e redime os passados, porque quer que o combatam os presentes. Amo o que castiga o seu Deus, porque ama o seu Deus, pois a cólera do seu Deus o confundirá. Amo aquele cuja alma é profunda, mesmo na ferida, e ao que pode aniquilar um leve acidente, porque assim de bom grado passará a ponte. Amo aquele cuja alma transborda, a ponto de se esquecer de si mesmo e quando esteja nele, porque assim todas as coisas se farão para sua ruína. Amo o que tem o espírito e o coração livres, porque assim a sua cabeça apenas serve de entranhas ao seu coração, mas o seu coração leva a sucumbir. Amo os que são como gotas pesadas que caem uma a outra da sombria nuvem suspensa sobre os homens, anunciam o relâmpago próximo e desaparecem como anunciadores. Vede: eu sou um anúncio do raio e uma pesada gota procedente da nuvem; mas este raio chama-se o Super-homem.
Friedrich Wilhelm Nietzsche, filólogo, filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX.

2 de setembro de 2015

A Vida Plena segundo Carl Rogers

Extraído de: ROGERS, C.R. Tornar-se Pessoa (Cap.: – “Ser o que realmente se é: os objetivos pessoais vistos por um terapeuta”). São Paulo: Martins Fontes, 5ª ed. 1997 

Para alguns ser o que se é, é permanecer estático. (…) Nada pode estar mais longe da verdade. Ser o que se é, é mergulhar inteiramente num processo. A mudança encontra-se facilitada, e provavelmente levada ao extremo, quando se assume ser o que verdadeiramente se é.” (ROGERS, 1977; 155).

Observação Positiva: "Vida Plena" é um processo, não um estado de ser. É uma direção, não um destino. A "Vida Plena" é o processo do movimento numa direção que o organismo humano seleciona quando é interiormente livre para se mover em qualquer direção, e as características dessa direção escolhida revelam uma certa universalidade. 
Observação Negativa: "Vida Plena" não é um estado fixo. Não é um estado de virtude, de contentamento, de nirvana ou de felicidade. Não é uma condição em que o indivíduo esteja adaptado, cumulado ou atualizado. Não é um estado de redução de impulsos, de redução de tensão ou de homeostase.
Características do Processo

1. Uma Abertura Crescente à Experiência
Esta atitude é oposta à atitude defensiva. A pessoa torna-se progressivamente mais capaz de ouvir a si mesma, de experimentar o que se passa em si. Está mais aberta aos seus sentimentos de receio, de desânimo e de desgosto. Fica igualmente mais aberta aos seus sentimentos de coragem, de ternura e de fervor. É livre para viver os seus sentimentos subjetivamente, como eles em si existem, e é igualmente livre para tomar consciência deles. Torna-se mais capaz de viver completamente a experiência do seu organismo, em vez de o impedir de atingir a consciência.

2. Aumento da Vivência Existencial 
Esta característica implica uma tendência para viver plenamente cada momento. Uma pessoa que esteja plenamente aberta a cada experiência nova, completamente desprovida de uma atitude de defesa, vive cada momento da sua vida como novo. A configuração de estímulos internos e externos que existe num determinado momento nunca antes existira exatamente da mesma maneira. Por conseguinte, essa pessoa compreenderia que “aquilo que eu vou ser no próximo momento e aquilo que eu vou fazer nasce desse momento e não pode ser previsto de antemão nem por mim nem pelos outros”. Uma forma de exprimir a fluidez que está presente numa tal vivência existencial é dizer que o eu e a personalidade emergem da experiência, em vez de dizer que a experiência foi traduzida ou deformada para se ajustar a uma estrutura preconcebida do eu. Isto quer dizer que uma pessoa se torna um participante e um observador do processo em curso da experiência organísmica, em vez de controlá-lo. Esse viver no momento significa uma ausência de rigidez, de organização estreita, de imposição de uma estrutura à experiência. Significa muito especialmente um máximo de adaptabilidade, uma descoberta de estrutura na experiência, uma organização fluente, mutável, do eu e da personalidade. A maior parte de nós, porém, aplica à experiência uma estrutura pré-fabricada, uma apreciação, e nunca a abandona, comprimindo e deformando a 2 experiência para adaptá-la às nossas idéias preconcebidas, irritados com os aspectos fugidios que a tornam tão difícil de adaptar às nossas esquadrias cuidadosamente construídas. Abrir o espírito àquilo que se está a passar agora, e descobrir no processo presente a estrutura específica que se apresenta, tal é, uma das características da "Vida Plena". 

3. Uma Confiança Crescente No Seu Organismo
A pessoa torna-se mais capaz de confiar nas suas reações organísmicas totais frente a uma nova situação porque foi progressivamente descobrindo que, se estivesse aberta à sua experiência, se fizesse o que sente que seria bom fazer, essas reações revelar-se-iam como um guia completo e digno de confiança do comportamento que realmente satisfaz. Os defeitos que invalidam a confiança no processo em muitos de nós são a inclusão de informações que não pertencem à situação presente, ou a exclusão de informação que lhe diz respeito. É quando a memória e a aprendizagem anterior se introduzem nos cálculos, como se fossem essa realidade e não memória e aprendizagem, que é fornecido como resposta um comportamento errado. 

4. O Processo De Um Funcionamento Mais Pleno 
A pessoa torna-se mais capaz de experimentar todos os seus sentimentos e, por isso, passa a ter menos medo deles; filtra a sua própria experiência e mostra-se mais aberto aos testemunhos que provêm de outras fontes; mergulha completamente no processo de ser e de se tornar o que é, descobrindo então que é profunda e radicalmente social; vive de um modo mais pleno no momento que passa, pois aprende que é sempre essa a maneira mais saudável de viver. A pessoa torna-se um organismo que funciona mais plenamente e, devido à consciência de si mesmo que corre livremente na e através da sua experiência, torna-se uma pessoa que funciona de um modo pleno.

Conclusão 
Assim, adjetivos tais como feliz, satisfeito, contente, agradável, não parecem adequados para uma descrição geral do processo de “Vida Plena”, mesmo que a pessoa envolvida neste processo experimente cada um destes sentimentos nos devidos momentos. Mas os adjetivos que parecem de um modo geral mais apropriados são: enriquecedor, apaixonante, valioso, estimulante, significativo. O processo da “Vida Plena” não é um gênero de vida que convenha aos que desanimam facilmente. Este processo implica a expansão e a maturação de todas as potencialidades de uma pessoa. Implica a coragem de ser. Significa que se mergulha em cheio na corrente da vida. E, no entanto, o que há de mais profundamente apaixonante em relação aos seres humanos é que, quando a pessoa se torna livre interiormente, escolhe esta “Vida Plena” como processo de transformação. 


Leia o livro Tornar-se Pessoa, de Rogers, na íntegra clicando aqui.

E para complementar o pensamento, um artigo sobre 'Ser o que realmente se é' baseado na temática do existencialismo de Kierkegaard, da mestre em Filosogia, Maria de Jesus Martins da Fonseca, no site Libertas.


1 de junho de 2015

Eterno Retorno

O Eterno Retorno talvez seja um dos pensamentos mais conhecidos e importantes de Nietzsche, onde o pensador alemão invoca a ideia do Eterno Retorno como possibilidade de aceitar e afirmar a vida. Você viveria sua vida mais uma vez e outra, e assim eternamente? Se você fosse condenado a viver a mesma existência infinitas vezes, e nada além disso, como se sentiria? Portanto, o maior de todos os pesos é também o maior de todos os presentes: a vida não tem sentido! Nós damos sentido a nossas vidas, como um artista que dá sentido a sua obra. Que benção! Temos a chance, esta sim me parece divina, de sermos responsáveis por nossa própria criação. Nietzsche abriu a possibilidade de nos tornamos artistas! Esculpindo-nos como nossa própria obra de arte; dançando a música da vida, não pelo que acontece depois que ela termina, mas pelo prazer do ritmo e da melodia.
Tudo vai, tudo volta; eternamente gira a roda do ser.
Tudo morre, tudo refloresce, eternamente transcorre o ano do ser.
Tudo se desfaz, tudo é refeito;
eternamente fiel a si mesmo permanece o anel eternamente constróí-se a mesma casa do ser.
Tudo se separa, tudo volta a se encontrar;do ser.
Em cada instante começa o ser; em torno de todo o "aqui " rola a bola "acolá ".
O meio está em toda parte. Curvo é o caminho da eternidade.
FRIEDRICH NIETZSCHE, Assim falou Zaratustra, "0 convalescente", § 2.
Quando Nietzsche se pergunta o que é o mundo, ele assim o descreve (l978: 397): "como força por toda parte, como jogo de forças e ondas de forças, ao mesmo tempo um e múltiplo, aqui articulando-se e ao mesmo tempo ali minguando, um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente recorrentes [... ], abençoando a si próprio como aquilo que eternamente tem que retornar, como um vir-a-ser que não conhece nenhuma saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço."

O eterno retorno é a grande prova, o grande teste de vida pelo qual cada homem tem de passar, como nos conta Nietzsche em A gaia ciência (1978: 208):
"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "esta vida, assim como tua avives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência- e do mesmo modo essa aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!" Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes"" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou, então, com terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
Amor ao destino - É imponderável o quanto cada um de nós necessita estar bem consigo próprio e com a vida para dizer: "Quero isso inúmeras vezes, quero isso eternamente!". Por isso, o eterno retorno é posto por Nietzsche como um imperativo ético, seletivo. Para passar por essa prova, qualquer homem deverá ter vencido todos os ressentimentos, azedumes e depreciações com relação à vida, deverá estar imbuído daquilo que Nietzsche denominou amor fati (amor ao destino), que significa não querer nada de outro modo, nem para diante nem para trás, nem em toda a eternidade, conforme disse o filósofo em um de seus derradeiros escritos.

"O mundo e o "eu" que retornam, em cada instante, trazem consigo todas as pequenezas e todas as grandezas que lhe são próprias, o que não poderia ser de outra forma, desde que não existe nenhum outro mundo, assim como nenhum outro "eu". Poder-se-ia, entretanto, argumentar que todos os entes do mundo (incluindo os inúmeros "eus") estão em contínuo devir, ou seja, transmutando-se ininterruptamente em 'outros mundos', 'outros eus'."

Disponível em: cefetsp.br/edu/ (Acesso em 01 de Junho de 2015 10:38)

13 de março de 2015

A separação como ato de amor

Ontem à noite eu estava devorando as crônicas da Martha Medeiros aguçadamente, no seu livro, Doidas e Santas (2008), e me deparei com esta crônica em especial, que como o próprio título já diz, busca dar provas ao amor tomando posse da mais profunda e alastrosa decisão, como saída para vivê-lo sem mágoas e sem fim: deixando-o ir embora. Nada em especial, só uma chamada para aquilo que chamamos de silêncio depois que o dia termina e já não há mais possibilidade de recrutar soldados de resgate para o que não quer mais morrer.

"É sabida a dor que advém de qualquer separação, ainda mais da separação de duas pessoas que se amaram muito e que acreditaram um dia na eternidade deste sentimento. A dor-de-cotovelo corrói milhares de corações de segunda a domingo — principalmente aos domingos, quando quase nada nos distrai de nós mesmos — e a maioria das lágrimas que escorrem é de saudade e de vontade de rebobinar os dias, viver de novo as alegrias perdidas.
Acostumada com esta visão dramática da ruptura, foi com surpresa e encantamento que li uma descrição de separação que veio ao encontro do que penso sobre o assunto, e que é uma avaliação mais confortante, ao menos para aqueles que não se contentam em reprisar comportamentos padrões. Está no livro "Nas tuas mãos", da portuguesa Inês Pedrosa.
"Provavelmente só se separam os que levam a infecção do outro até aos limites da autenticidade, os que têm coragem de se olhar nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade."
Ela continua:
"A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal."
Calou fundo em mim esta declaração, porque sempre considerei que a separação de duas pessoas precisa acontecer antes do esfacelamento do amor, antes de se iniciarem as brigas, antes da falta de respeito assumir o comando. É tão difícil a decisão de separar que vamos protelando, protelando, e nesta passagem de tempo se perdem as recordações mais belas e intensas. A mágoa vai ganhando espaço, uma mágoa que nem é pelo outro, mas por si mesmo, a mágoa de se reconhecer covarde. E então as discussões se intensificam e quando a separação vem, não há mais onde se segurar, o casal não tem mais vontade de se ver, de conversar, quer distância absoluta, e aí se configura o desastre: a sensação de que nada valeu. Esquece-se o que houve de bom entre os dois.
Se o que foi bom ainda está fresquinho na memória afetiva, é mais fácil transformar o casamento numa outra relação de amor, numa relação de afastamento parcial, não total. Se os dois percebem que estão caminhando para o fim, mas ainda não chegaram no momento crítico — o de se tornarem insuportavelmente amargos — talvez seja uma boa alternativa terminar antes de um confronto agressivo. Ganha-se tempo para reestruturar a vida e ainda se preserva a amizade e o carinho daquele que foi tão importante. Foi, não. Ainda é.
"Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso ou fracasso. Só nós dois sabemos que o que se sente não se trata — e é em nome deste intratável que um dia nos fez estremecer que agora nos separamos. Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. É uma forma de amor inviável, que, por isso mesmo, não tem fim."
É um livro lindo que fala sobre o amor eterno em suas mais variadas formas. Um alento para aqueles — poucos — que respeitam muito mais os sentimentos do que as convenções."

Doidas e Santas, página 48; Martha Medeiros.

17 de setembro de 2014

"Estou ficando louca...", por Rubem Alves

Ela chegou e depois de uma breve indecisão disse: "Acho que estou ficando louca..."
Fiquei em silêncio, como o caçador que espera o voo da caça, pois esta é a minha profissão: sou um caçador de palavras. 
Era certo que alguma mudança surpreendente ocorrera com os seus pensamentos. Acostumada com as palavras domesticadas e de voo curto que diariamente se moviam em seu mundo interior, ela deveria ter se assustado com o súbito surgimento de uma outra entidade de cuja existência jamais suspeitara, escondida que estivera ao abrigo da densa vegetação que marca o início da obscuridade da alma. Recebera a visita de um emissário do inconsciente: pensamentos que nunca tivera, incomuns, desconhecidos... ela ignorava sua origem e nada sabia do seu destino. Descobria-se subitamente sem terra sólida sob os seus pés, flutuando sobre o mistério. Era isso que me dizia com sua curta declaração: "Acho que estou ficando louca..."
Mas eu nada sabia nem da cor, nem da forma, nem os movimentos dessa ave misteriosa que a assustava. Por isso fiquei quieto, à espera... confesso que senti um calafrio de prazer. Aves engaioladas são sempre banais e podem ser compradas em qualquer lugar. Não lhes dedico qualquer atenção, pois delas os jornais e a tagarelice cotidiana estão cheios. Mas estas aves selvagens que se anunciam com o nome de loucura nascem do desconhecido e levam-nos a voar por mundos onde nunca estivemos.
Aí ela continuou, explicando o que acontecera: "Eu sou uma pessoa prática, descomplicada. Gosto de cozinhar. E o faço de forma competente, automática, sem pensar. Corto as cebolas, as cebolinhas, os tomates, e vou fazendo as coisas que devem ser feitas da forma como sempre fiz. Estas coisas e estes atos nunca foram merecedores da minha atenção. Enquanto cozinho, meus pensamentos se concentram no prato terminado e no prazer de comer com os amigos. 
Mas, na semana passada, uma coisa estranha aconteceu. Peguei uma cebola, igual a todas as outras, cortei uma rodela como sempre fiz, e levei um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Como era isso possível? Já havia visto e cortado centenas de cebolas e agora era como se estivesse vendo a cebola pela primeira vez! Olhei para a sua forma arredondada, senti a lisura de sua pelo sob os meus dedos, vi seus anéis circulares, perfeitos, encaixados uns dentro dos outros, surpreendi-me com sua quase transparência, a luz se fragmentando em centenas de pontos em sua superfície brilhante. Meu automatismo prático se interrompeu. Deixei a faca sobre a pia e fiquei com a rodela de cebola na minha mão, encantada. Esqueci-me do prato que estava preparando. Naquele momento eu não queria fazer prato alguma para o deleite da boca, pois havia encontrado outra forma de deleite: o deleite dos olhos. Meus olhos estavam comento a rodela de cebola. E eu senti um prazer que nunca sentira antes. 
Pela primeira vez na vida vi que a cebola era bonita. Se fosse pintora, pintaria uma cebola. Se fosse fotógrafa, fotografaria uma cebola... Minha cebola deixara de ser uma criatura do sacolão, à mercê de facas e maxilares mastigantes, e aparecia como uma criatura encantada, moradora do mundo da beleza, ao lado de jóias e de obras de arte. 
Ao acordar desse transe místico, em que vi a rodela de cebola como se fosse vitral de uma catedral gótica, fiquei assustada. Que coisa estranha deveria estar acontecendo com os meus olhos? que transformação deveria ter acontecido comigo mesma? 
Se eu contasse aos meus amigos o que tinha acontecido, eles não entenderiam. Pensariam que eu estava fazendo gozação. Ririam. Não poderiam ver minha alegria vendo a rodela de cebola. Eu tive que fazer silêncio sobre a minha experiência. Pensei, então, que estava ficando louca. Pois loucura deve ser isto: Aquilo que a gente experimente e sobre o que tem de se calar. Pois se a gente disser, os outros não entenderão e começaram a pensar que a gente tem um parafuso solto. 
Mas o pior é que o que aconteceu com a cebola começou a acontecer com tudo. Meus olhos já não eram mais os mesmos. Estavam possuídos por uma potência psicodélica. Viam o que sempre tinham visto de um jeito como nunca tinham visto. Meus quadros ficaram diferentes. E o mais perturbador era a felicidade que eu sentia em tudo. E eu pensei: se eu continuar a me sentir feliz assim, todos os meus grandes planos irão por terra! Se eu me sentir nas pequenas coisas, pararei de lutar para realizar as grandes coisas...
Ela estava assustada com a felicidade. Assustada ao perceber que a alegria mora muito perto. Basta saber ver. E eu lhe disse: "Você não está ficando louca. Você está ficando poeta..."
A experiência poética é ver coisas grandiosas que ninguém mais vê. É ver o absolutamente banal, que está bem diante do nariz, sob uma luz diferente. Quando isso acontece, cada objeto cotidiano se transforma na entrada de um mundo encantado. E a gente se põe a viajar sem sair do lugar... aquilo que procuramos se encontra bem debaixo dos nossos olhos. 
Não é preciso fazer nada. Não é preciso viajar a lugares distantes. Coisa mais inútil haverá que a viagem, quando os olhos vêem tudo em preto-e-branco? Não é preciso também realizar grandes proezas de luta e trabalho - pois a beleza se encontra pronta ao alcance da mão... Dizia Blake: "Ver o mundo num grão de areia e um céu numa flor selvagem...".
Não, ela não estava ficando louca. Mas eu compreendi o seu espanto. Descobria-se poeta. E a loucura da poesia está precisamente nisto: na compreensão de que basta que a beleza more dentro dos olhos para que o mundo inteiro seja transfigurado por eles... A felicidade nasce de dentro do olhar que foi tocado pela poesia... pág.68.

Alves, Rubem. 'As Melhores Crônicas de Rubem Alves'/Rubem Alves - Campinas, SP; Papirus, 2008.

4 de agosto de 2014

Ética para meu filho, por Fernando Savater

     Robinson Crusoé passeia por uma das praias da ilha onde o confinaram uma inoportuna tempestade seguida de naufrágio. Leva seu papagaio ao ombro e protege-se do sol graças à sombrinha fabricada com folhas de palmeira, que o faz sentir orgulho, com razão, de sua habilidade. Ele acha que, em vista das circunstâncias, até que não se arranjou mal. Agora tem um refúgio para se proteger contra as inclemências do tempo e os ataques dos animais selvagens, sabe onde conseguir alimento e bebida, tem roupas para se abrigar, que ele mesmo fez com elementos naturais da ilha, os dóceis serviços de um pequeno rebanho de cabras, etc. Enfim, acha que sabe arranjar-se para levar mais ou menos sua vida de náufrago solitário. Robinson continua passeando, e está contente consigo mesmo, que por um momento parece não sentir falta de nada. De repente, detém-se com um sobressalto. Ali, na areia branca, desenha-se uma marca que vai revolucionar toda a sua pacífica existência: a pegada humana.

imagem: hypeness

De quem será? Amigo ou inimigo? Talvez um inimigo que possa se tornar amigo? Homem ou mulher? Como se entenderá com ele, ou ela? Como irá tratá-lo? Robinson já estava acostumado a se fazer perguntas desde que chegou à ilha e a resolver problemas do modo mais engenhoso possível: O que vou comer? Onde vou me abrigar? Como posso proteger-me do sol? Mas agora a situação não é a mesma, pois não se trata de acontecimentos naturais, como a fome ou a chuva, nem de animais selvagens, mas com um outro ser humano, ou seja, com outro Robinson ou com outros Robinsons e Robinsonas. Diante dos elementos ou dos animais, Robinson pôde comportar-se sem atender a nada além de sua necessidade de sobrevivência, tratava-se de ver se podia com eles ou se eles podiam com ele, sem mais complicações. Mas diante de seres humanos a coisa já não é tão simples. Ele deve sobreviver, sem dúvida, mas não de qualquer modo. Se Robinson transformou-se num animal como os outros que perambulam pela selva, por causa de sua solidão e sua desventura, sua única preocupação será saber se o desconhecido dono da pegada é um inimigo a ser eliminado ou uma presa a ser devorada. Mas se quer continuar sendo homem… Então já não estará lidando com uma presa ou um simples inimigo, mas com um rival ou um possível companheiro: de todo o modo, com um semelhante.

Enquanto está só, Robinson enfrenta questões técnicas, mecânicas, higiênicas, inclusive científicas, se é que você me entende. A questão é salvar a vida num meio hostil e desconhecido. Mas quando ele encontra a pegada de Sexta-Feira na areia da praia começam seus problemas éticos. Já não se trata apenas de sobreviver; como um animal selvagem ou uma alcachofra, perdido na natureza; agora precisa começar a viver humanamente, ou seja, com outros ou contra outros homens, mas entre homens. O que faz a vida ser “humana” é o transcorrer em companhia de seres humanos, falando com eles, pactuando e mentindo, sendo respeitado ou traído, amando, fazendo projetos e recordando o passado, desafiando-se, organizando juntos as coisas comuns, jogando, trocando símbolos… A ética não se ocupa em saber como se alimentar melhor, qual a maneira mais recomendável de se proteger do frio ou o que fazer para atravessar um rio sem se afogar, todas questões muito importantes, sem dúvida, para a sobrevivência em determinadas circunstâncias; o que interessa à ética, o que constitui sua especialidade, é como viver bem a vida humana, a vida que transcorre entre seres humanos. Se não soubermos como nos arranjar para sobreviver em meio de perigos naturais, perderemos a vida, o que sem dúvida será um grande dano; mas, se não tivermos nem ideia de ética, perderemos ou prejudicaremos o humano de nossa vida, o que, francamente, também não tem graça nenhuma.

22 de julho de 2014

"Escutatória", por Rubem Alves




No último sábado (19 de julho), o Brasil perdeu um de seus nomes da literatura, o escritor mineiro de Boa Esperança, nascido em 15 de setembro de 1933, Rubem Alves. Em toda sua vida, Rubem se dedicou poesia da vida e à beleza abrigada em cada parte do mundo, e não apenas escrevia, como também foi um grande psicanalista, educador, teólogo, autor de livros e artigos abordando temas religiosos, educacionais e existenciais, além de uma série de livros infantis. Sua perda é lamentável, mas ele deixou uma dose significativa na nossa cultura e representou muitos e outros tantos enquanto estava entre nós. Ele deixou um legado muito importante, e um de seus mais produtos dizeres: A arte de ouvir, em seu texto "Escutatória", fragmento do livro 'O amor que acende a lua, pág. 65.', ele fala da urgência das pessoas em falarem o que pensam, mas esquecem de dar seus ouvidor "à torcer", veja:

"Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma“. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia


Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás, duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos. (Contou-me uma amiga, nordestina, que o jogo que as mulheres do Nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonitas são a mulher e a sua vida. Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi lá que a ópera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanálise...) Voltando ao ônibus. Falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia - a enfermeira nunca acertava -, dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: “Mas isso não é nada...“ A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.

Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.“ Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg - citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.“ Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, estimulado pela revolução de 64. Pastor protestante (não “evangélico“), foi trabalhar num programa educacional da Igreja Presbiteriana USA, voltado para minorias. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório para não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.“ Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.“ Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.“ E assim vai a reunião.

Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Faz alguns anos passei uma semana num mosteiro na Suíça, Grand Champs. Eu e algumas outras pessoas ali estávamos para, juntos, escrever um livro. Era uma antiga fazenda. Velhas construções, não me esqueço da água no chafariz onde as pombas vinham beber. Havia uma disciplina de silêncio, não total, mas de uma fala mínima. O que me deu enorme prazer às refeições. Não tinha a obrigação de manter uma conversa com meus vizinhos de mesa. Podia comer pensando na comida. Também para comer é preciso não ter filosofia. Não ter obrigação de falar é uma felicidade. Mas logo fui informado de que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 7 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Estremeci de medo. Mas obedeci. O lugar sagrado era um velho celeiro, todo de madeira, teto muito alto. Escuro. Haviam aberto buracos na madeira, ali colocando vidros de várias cores. Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo. Uns poucos bancos arranjados em “U“ definiam um amplo espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio, nuvens escuras cobriam o céu e corriam, levadas por um vento impetuoso que descia dos Alpes. A força do vento era tanta que o velho celeiro torcia e rangia, como se fosse um navio de madeira num mar agitado. O vento batia nas macieiras nuas do pomar e o barulho era como o de ondas que se quebram. Estranhei. Os suíços são sempre pontuais. A liturgia não começava. E ninguém tomava providências. Todos continuavam do mesmo jeito, sem nada fazer. Ninguém que se levantasse para dizer: “Meus irmãos, vamos cantar o hino...“ Cinco minutos, dez, quinze. Só depois de vinte minutos é que eu, estúpido, percebi que tudo já se iniciara vinte minutos antes. As pessoas estavam lá para se alimentar de silêncio. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós - como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. 

A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto..."

Descanse em paz, Rubem Alves! 


28 de abril de 2014

"A música dos valores perdidos", por José Teles

Tem rapariga aí? Se tem levante a mão!”. A maioria, as moças, levanta a mão.

Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero). As outras são “gaia”, “cabaré”, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhando uma música da banda Calipso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto. Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de “forró”, e Ariano exclamou: “Eita que é pior do que eu pensava”. Do que ele, e muito mais gente jamais imaginou.

Pruma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta “desculhambação” não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de “forró”, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético,. Pior, o glamur, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

A cantora Ceca foi uma espécie de Ivete Sangalo do turbo folk (ainda está na estrada, porém com menor sucesso). Foram comprados 100 mil vídeos do seu casamento com Arkan, mafioso e líder de grupo para-militares na Croácia e Bósnia. Arkan foi assassinado em 2000. Ceca presa em 2003. Ela não foi a única envolvida com a polícia, depois da queda de Milosevic, muitos dos ídolos do turbo folk envolveram-se com a justa pelo envolvimento com a poderosa máfia de Belgrado.

A temática da turbo folk era sexo, nacionalismo e drogas. Lukas, o maior ídolo masculino do turbo folk pregava em sua música o uso da cocaína. Um dos seus maiores hits chama-se White (a cor do pó, se é que alguém ignora), e ele, segundo o Guardian, costumava afirmar: “Se cocaína é uma droga, pode me chamar de viciado”. Esteticamente, além da pouca roupa, a sanfona é o instrumento que se destaca tanto no turbo folk quanto no chamado forró eletrônico, instrumento decorativo, ali muito mais para lembrar das raízes da música tradicional. Ressaltando-se que não se tem notícia de ligação entre bandas de “forró” e crime organizado. No que elas são iguaizinhas é que proliferaram em meio a débâcle de valores estéticos, morais, e éticos, e despolitização da juventude. Com a volta da governabilidade nas repúblicas da antiga Iugoslávia, o turbo folk perdeu a força, vende ainda porém muito menos do que no passado, hoje é apenas uma música popular para se dançar, e não a trilha sonora de um regime condenado por, entre outras lástimas, genocídio.

Aqui o que se autodenomina “forró estilizado” continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem “rapariga na platéia”, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção ?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é “É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!”, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

JOSÉ TELES Como quase todo pernambucano, nasceu na Paraíba (Campina Grande); Começou no jornalismo, em 1980, no extinto Correio de Pernambuco, onde passou apenas três meses, vindo em seguida para o Jornal do Commércio. Foi repórter esportivo até 1984. Depois de um tempo fora da grande imprensa, escrevendo no Pasquim, no jornal de humor O Papa-Figo (fundado por ele, Ral e Bione em 1984), voltou ao JC em 1987, como crítico musical, função que exerce até hoje. Em 1992, passou a escrever uma cronica semanal, na coluna Curto & Grosso, Teles também é escritor


Infelizmente é essa juventude do ''quanto pior, melhor'' que tomará as rédias do futuro no nosso país, o conteúdo estético dos dias de hoje, terá reflexos amanhã. 


14 de janeiro de 2014

A água com que havia lavado sua blusa




“Eu era um jovem louro e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Teresa. Ao ouvir cantar Teresa, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos. A escrita me saía espontânea, num ritmo que não era o meu, e foi na batata da perna de Teresa que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No princípio ela até gostou, ficou lisonjeada quando lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu pra ter ciúmes, deu pra me recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou. Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Teresa. Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não era tão bom, então fui a Copacabana procurar as putas. Pagava pra escrever nelas e talvez lhes pagasse além do devido, pois elas simulavam orgasmos que me roubavam toda a concentração. Toquei na casa de Teresa, estava casada, chorei, ela me deu a mão, permitiu que eu escrevesse umas breves palavras enquanto o marido não vinha. Passei a assediar as estudantes, que às vezes me deixavam escrever nas suas blusas, depois na dobra do braço, onde sentiam cócegas, depois na saia, nas coxas. E elas mostravam esses escritos às colegas, que muito os apreciavam, e subiam ao meu apartamento e me pediam que escrevesse o livro na cara delas, no pescoço, depois despiam a blusa e me ofereciam os seios, a barriga e as costas. E davam a ler meus escritos a novas colegas, que subiam ao meu apartamento e me imploravam para arrancar as suas calcinhas, e o negro das minhas letras reluzia em suas nádegas rosadas. Moças entravam e saíam da minha vida, e o meu livro se dispersava por aí, cada capítulo a voar para um lado. Foi quando apareceu aquela que se deitou na minha cama e me ensinou a escrever de trás pra diante. Zelosa dos meus escritos, só ela os sabia ler, mirando-se no espelho, e de noite apagava o que de dia fora escrito, para que eu jamais cessasse de escrever meu livro nela. E engravidou de mim, e na sua barriga o livro foi ganhando novas formas, e foram dias e noites sem pausa, sem comer um sanduíche, trancado no quartinho da agência, até que eu cunhasse, no limite das forças, a frase final: e a mulher amada, cujo leite eu já sorvera, me fez beber da água com que havia lavado sua blusa.”
Chico Buarque – Budapeste

16 de dezembro de 2013

Quem disse que ser adulto é fácil?

Sempre acho que namoro, casamento, romance tem começo, meio e fim.
Como tudo na vida.
Detesto quando escuto aquela conversa:
'Ah, terminei o namoro...'
'Nossa,quanto tempo?'
'Seis anos... Mas não deu certo...acabou'
É não deu...'
Claro que deu! Deu certo durante seis anos, só que acabou.
E o bom da vida, é que você pode ter vários amores.
Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.
Às vezes você não consegue nem dar cem por cento de você para você
mesmo, como cobrar cem por cento do outro?
E não temos esta coisa completa.
Às vezes ele é fiel, mas não é bom de cama.
Às vezes ele é carinhoso, mas não é fiel.
Às vezes ele é atencioso, mas não é trabalhador.
Às vezes ela é malhada, mas não é sensível.
Tudo nós não temos.
Perceba qual o aspecto que é mais importante e invista nele.
Pele é um bicho traiçoeiro.
MAS quando você tem pele com alguém, pode ser o papai com mamãe mais
básico que é uma delícia!
E as vezes você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona...
Acho que o beijo é importante...e se o beijo bate...se joga...senão
bate...mais um Martini, por favor...e vá dar uma volta.
Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra.
O outro tem o direito de não te querer. MAS tem o DEVER de te avisar.
Não lute, não ligue, não dê pití.
Se a pessoa tá com dúvida, problema dela, cabe a você esperar ou não.
Existe gente que precisa da ausência para querer a presença.
O ser humano não é absoluto. Ele titubeia, tem dúvidas e medos mas se
a pessoa REALMENTE gostar, ela volta..
Nada de drama.
Que graça tem alguém do seu lado sob chantagem, gravidez, dinheiro,
recessão de família?
O legal é alguém que está com você por você.
E vice versa.
Não fique com alguém por dó também.
Ou por medo da solidão.
Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado.
E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar,
seu pensamento.
Tem gente que pula de um romance para o outro.
Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?
Gostar dói.
Você muitas vezes vai ter raiva, ciúmes, ódio, frustração.
Faz parte. Você namora um outro ser, um outro mundo e um outro universo.
Enem sempre as coisas saem como você quer...
A pior coisa é gente que tem medo de se envolver.
Se alguém vier com este papo, CORRA, afinal, você não é terapeuta.
Se não quer se envolver, namore uma planta. É mais previsível.
Na vida e no amor, não temos garantias.
E nem todo sexo bom é para namorar.
Nem toda pessoa que te convida para sair é para casar.
Nem todo beijo é para romancear.
Nem todo sexo bom é para descartar. Ou se apaixonar. Ou se culpar.
Enfim... quem disse que ser adulto é fácil?

Um texto de Arnaldo Jabor, cineasta, roteirista, diretor de cinema e TV, produtor cinematográfico, dramaturgo, crítico, jornalista e escritor brasileiro.

12 de agosto de 2013

Despedida...




E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil. 

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. 

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


Extraído do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.
Rubem Braga

1 de março de 2013

Distância involuntária

Esse texto traduz alguns de meus sentimentos ultimamente, e tem a autoria de Daniela Lusa



Dia desses, estava eu organizando uma gaveta e encontrei umas fotos. E sorri. As fotografias guardam, além de imagens e lembranças, algumas emoções. Sentei-me e comecei a lembrar daquelas pessoas, daqueles sorrisos, de tantos momentos vividos juntos. Deu saudade. Guardei, então, a foto com todas as suas lembranças e com umas dúvidas, também. Afinal, o que aconteceu com aquelas pessoas, com aqueles sorrisos, com aqueles momentos? Simplesmente, perderam-se. Sumiram. Desapareceram. 

É engraçado como algumas pessoas saem da nossa vida tão rapidamente quanto entraram, não? Estive pensando em algumas pessoas que sumiram repentinamente da minha vida. Tentei lembrar o motivo de nosso distanciamento, mas não consegui. Claro que algumas eu mesma afastei, mas não é a essas que me refiro. Sabe quando você simplesmente deixa de falar com a pessoa, sem motivo aparente? Não sei se sou eu que fujo ou se é a pessoa que se afasta. O fato é que se você sente que precisa se aproximar, talvez a pessoa esteja se distanciando. É como se a gente fosse se perdendo com o tempo e se prendendo a lembranças. Ou não. A pior parte disso tudo é quando o afastamento acontece de uma hora para outra, sem motivos, sem explicações. Não entendo. E aí sempre surge a paranoia: “o que eu fiz de errado dessa vez?” Pois eu digo: nada. Absolutamente nada. O que está errado é essa falta de “se importar” que há em muitas pessoas. O errado está nessa falta de “querer bem” a alguém. O problema é que as pessoas, quase sempre, sentem de menos e se afastam demais. Há quem se afaste por medo de ficar sempre junto. E há quem queira ficar longe porque nunca quis se aproximar de verdade. Há quem se esconda no silêncio para se isolar. Talvez, para se encontrar. Talvez, por não saber o que dizer. E foge. Disso tudo, fica sempre alguém esperando por uma palavra, por uma resposta. As palavras se calam, a espera continua e só chega o silêncio. Mas, aos poucos, a gente vai se acostumando a trocar silêncios e entende o que a pessoa quis dizer com as palavras que calou. Já tentei me aproximar de pessoas que estavam querendo se distanciar de mim. Já me afastei de quem queria ficar perto. Já estive perto mesmo estando longe. Já estive junto sem estar. E é estranho se sentir distante de quem nunca de fato esteve perto. A distância desfaz sorrisos. A ausência deixa um espaço vazio. O tudo, de repente, vira nada. E as palavras dão lugar ao silêncio. O problema é que palavras não ditas também magoam.


Afinal, com quantos silêncios se faz uma saudade?

22 de janeiro de 2013

Quem não dá assistência, abre concorrência



Você homem da atualidade, vem se surpreendendo diuturnamente com o "nível" intelectual, cultural e, principalmente, "liberal" de sua mulher, namorada e etc. Às vezes sequer sabe como agir, e lá no fundinho tem aquele medo de ser traído - ou nos termos usuais: "corneado". Saiba de uma coisa... esse risco é iminente, a probabilidade disso acontecer é muito grande, e só cabe a você, e a ninguém mais evitar que isso aconteça ou, então, assumir seu "chifre" em alto e bom som. Você deve estar perguntando porque eu gastaria meu precioso tempo falando sobre isso.

Entretanto, a aflição masculina diante da traição vem me chamando a atenção já há tempos. Mas o que seria uma "mulher moderna"? A princípio seria aquela que se ama acima de tudo, que não perde (e nem tem) tempo com/para futilidades, é aquela que trabalha porque acha que o trabalho engrandece, que é independente sentimentalmente dos outros, que é corajosa, companheira, confidente, amante... É aquela que às vezes tem uma crise súbita de ciúmes mas que não tem vergonha nenhuma em admitir que está errada e correr pros seus braços... É aquela que consegue ao mesmo tempo ser forte e meiga, desarrumada e linda... Enfim, a mulher moderna é aquela que não tem medo de nada nem de ninguém, olha a vida de frente, fala o que pensa e o que sente, doa a quem doer... 

Assim, após um processo "investigatório" junto a essas "mulheres modernas" pude constatar o pior: VOCÊ SERÁ (OU É???) "corno", a menos que: 

20 de julho de 2012

20 de Julho: Dia do amigo

Hoje é dia do amigo, portanto, feliz dia do amigo, à você, e a todos os nossos... amigos. Ser amigo vai muito mais além do que está presente nos momentos de risadas, de sacanagem, e de precisões. Ser amigo é estar por perto quando se mais precisa, de colo, de carinho, de cuidado. Ser amigo é não fazer por receber, e sim fazer pelo simples sentimento de afeto que se tem pelo bem amado. Ser amigo é abraçar, é beijar, é despistar o inconsciente para um mundo impossível, quando se faz necessário a fuga da realidade. Ser amigo é tudo, é de graça, não paga nem gasta nada. Ser amigo, é um dom de Deus, e como dizem, ser amigo é ser a família que se escolheu pra ser de alguém. Essa foi uma pequena definição de amizade para mim, neste dia especial, mas há um texto do poeta Vinícius de Moraes no qual eu gosto muito, e me identifico bastante com ele, veja: "Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações da infância. Preciso de um amigo para não enlouquecer, para contar o que vi de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças d'água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Preciso de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já tenho um amigo. Preciso de um amigo para parar de chorar. Para não viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que bata nos ombros sorrindo e chorando, mas que me chame de amigo, para que eu tenha a consciência de que ainda vivo."

Lembrando, que nenhum amigo precisa ser perfeito, ou se enquadrar totalmente à você, cada um tem o seu jeito singular, só precisa ter o dom de ouvir, o dom de confortar, só precisa ser um amigo de verdade...

11 de novembro de 2011

Vou ficar mais relax mesmo...


foto: weheartit
(...) Mas sei lá, não sei se toda essa coisa patética é mesmo necessária. Tô resolvendo umas coisas aqui viu, esses negócios de sentimentos demonstrados demais meio que estraga. Tô aqui aprendendo que nem todos dão valor ao que você pode oferecer, e acabar demonstrando afeto demais começa a encher o saco, e eu digo tudo isso da minha parte. Chega de ligações, preocupações, sentimentos demonstrados aos extremos. 

Vou ficar mais relax mesmo, não quer me ligar, não liga, mas também não ligarei. Não quer me ver, não me veja, mas também não sairei que nem doida atrás de você pra saber se a gente vai ser ver, que horas é o nosso encontro, não mais.

É apenas um aviso que eu deixo bem simples: se quiser, me procura você. E outro aviso que eu deixo também: isso tudo é só conversa mesmo, teoricamente falando, tá tudo certo. É quando chega na hora da prática que ferra com tudo.

Caio Fernando Abreu

20 de setembro de 2011

É fácil...


É fácil dizer que ‘Vai passar’, quando não é com você.
Tão fácil olhar alguém de longe e dizer: Nossa como fulano é feliz, quando não se sabe se os sorrisos de tal estão segurando lágrimas por dentro. 
Tão fácil dizer ‘Melhoras’, quando se é difícil estar ao lado de quem está precisando.
Tão fácil julgar, quando tudo para o outro está vindo facilmente.
Tão mais fácil ainda é falar por trás, não é? Quando não se tem coragem o suficiente para dizer na cara. Tão fácil dizer que fulanas ‘Não são mais amigas’ e sorrir, quando não se sente a dor das que se perderam. Tão fácil ver os problemas ‘de fora, quando se é difícil encará-los.
Quando se é difícil falar, os olhos respondem por si sós. 
Quando a boca tenta se abrir, enquanto seu coração se fecha, aperta, esmaga e dilacera seu corpo inteiro. Suas pernas tremem e você fica nervosa e chora, quando se consegue chorar. 
Quando se dá um nó na garganta e ai você não sabe o que fazer, o estômago embrulha e mesmo com tudo isso junto eu lembro que alguém sempre esteve ao meu lado: E-L-E. 
E ai você começa a sorrir novamente, seus olhos brilham novamente, sua boca torna a abrir como antes.
E seu coração, o mais importante, abre-se, enche de esperança, ‘desabrocha’ novamente, volta a pulsar como antes, com força e fé.
Então sua garganta desata os nós dados pelo tempo, pelos acontecimentos e tristezas que haviam em seu corpo. 
Mas mesmo que a volta de ‘tempos bons’ demore a vir, não se esqueça que pode depender só de você e do tempo. 
O tempo não cura, claro que não, a tristeza pode ter deixado marcas e feridas profundas, mas a felicidade há de vir. Ah, se há! 
E você poderá dormir novamente, sonhar, viver, fará tudo novamente quando a tristeza achar que deve voltar. 
Repita consigo mesmo: Força e Fé, todas as manhãs.

Autor desconhecido