13 de março de 2015

A separação como ato de amor

Ontem à noite eu estava devorando as crônicas da Martha Medeiros aguçadamente, no seu livro, Doidas e Santas (2008), e me deparei com esta crônica em especial, que como o próprio título já diz, busca dar provas ao amor tomando posse da mais profunda e alastrosa decisão, como saída para vivê-lo sem mágoas e sem fim: deixando-o ir embora. Nada em especial, só uma chamada para aquilo que chamamos de silêncio depois que o dia termina e já não há mais possibilidade de recrutar soldados de resgate para o que não quer mais morrer.

"É sabida a dor que advém de qualquer separação, ainda mais da separação de duas pessoas que se amaram muito e que acreditaram um dia na eternidade deste sentimento. A dor-de-cotovelo corrói milhares de corações de segunda a domingo — principalmente aos domingos, quando quase nada nos distrai de nós mesmos — e a maioria das lágrimas que escorrem é de saudade e de vontade de rebobinar os dias, viver de novo as alegrias perdidas.
Acostumada com esta visão dramática da ruptura, foi com surpresa e encantamento que li uma descrição de separação que veio ao encontro do que penso sobre o assunto, e que é uma avaliação mais confortante, ao menos para aqueles que não se contentam em reprisar comportamentos padrões. Está no livro "Nas tuas mãos", da portuguesa Inês Pedrosa.
"Provavelmente só se separam os que levam a infecção do outro até aos limites da autenticidade, os que têm coragem de se olhar nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade."
Ela continua:
"A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal."
Calou fundo em mim esta declaração, porque sempre considerei que a separação de duas pessoas precisa acontecer antes do esfacelamento do amor, antes de se iniciarem as brigas, antes da falta de respeito assumir o comando. É tão difícil a decisão de separar que vamos protelando, protelando, e nesta passagem de tempo se perdem as recordações mais belas e intensas. A mágoa vai ganhando espaço, uma mágoa que nem é pelo outro, mas por si mesmo, a mágoa de se reconhecer covarde. E então as discussões se intensificam e quando a separação vem, não há mais onde se segurar, o casal não tem mais vontade de se ver, de conversar, quer distância absoluta, e aí se configura o desastre: a sensação de que nada valeu. Esquece-se o que houve de bom entre os dois.
Se o que foi bom ainda está fresquinho na memória afetiva, é mais fácil transformar o casamento numa outra relação de amor, numa relação de afastamento parcial, não total. Se os dois percebem que estão caminhando para o fim, mas ainda não chegaram no momento crítico — o de se tornarem insuportavelmente amargos — talvez seja uma boa alternativa terminar antes de um confronto agressivo. Ganha-se tempo para reestruturar a vida e ainda se preserva a amizade e o carinho daquele que foi tão importante. Foi, não. Ainda é.
"Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso ou fracasso. Só nós dois sabemos que o que se sente não se trata — e é em nome deste intratável que um dia nos fez estremecer que agora nos separamos. Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. É uma forma de amor inviável, que, por isso mesmo, não tem fim."
É um livro lindo que fala sobre o amor eterno em suas mais variadas formas. Um alento para aqueles — poucos — que respeitam muito mais os sentimentos do que as convenções."

Doidas e Santas, página 48; Martha Medeiros.

11 de março de 2015

Enigmas incansáveis

Faz bem ao coração tentar diluir o abrigo das memórias aspereiras? O incontável poço complexo de sagacidade de ser tudo além do que poderia ser? São perguntas e respostas que ninguém mudaria, talvez. Enigmas incansáveis, contidos no plano do pudor magnético que desmistifica ensaios, reluzentes ao clarão da mágoa, transformada em chaga antiga, emoldurada de palavras íntimas. 
Qualidade de ser onipresente, mergulhar no desprezo unilateral dos equívocos da alma, se esquivando da plenitude da existência, tal qual, consegue ressignificar um esplendor tão grato, que brilha sobre às inconstâncias do nascer de mais um novo dia. 
Desejos que não cessam, que falam despretenciosos e clamam pela parte que mais lhe cabe em outrem, ressurge atos, matura lábios, continuamente em forma de planos cíclicos e secretos absolutamente escondidos no interior do seu ego. 
Palmas para a solidão, para a plena consciência do seu caminho em vôo livre, onde o passageiro sem dor nem cura, se teletransporta para o vazio da comunhão consigo mesmo, e ainda sim vê paz, por saber que amar, é muito mais que sobrepeso no dosador de emoções. Amar, é sobretudo, ter em si mesmo, um guardador de experiências interespaciais de dentro pra fora, retomar um caminho sem volta, esquecendo os espinhos que envelhecem, ressaltando o que enobrece, e indo embora sem partir.

Joyce Gabriella Barros