24 de fevereiro de 2016

O inverso de exemplo

Prenuncias à parte, escolhas são particulares, traços, dizeres enaltecidos das vontades, profundezas, no geral. No sentido analítico da situação, é cabível aceitar que independente de qualquer coisa, o amanhã será o que é, o que for pra ser, será, na linguagem apurada dos clichês. Em se tratando de fatos, não há mentiras exprimidas nesse opoente, mas uma verdade quase que absoluta é que as coisas são o que são dependentes, por assim dizer, da frequência de cada um. 
Citando uma situação hipotética, se meu eu deseja algo profundamente e corre atrás disso, com todas as suas garras e forças, sem perder o foco, mantendo o ritmo e apostolando incansavelmente no objeto de coerência, certamente alcançarei meu alvo, e o objetivo será cumprido, e então direi: foi assim porque tinha que ser. Mas tomemos como exemplo o inverso, se eu caminho pro contrário, fujo da rota e desvio do ciclo, eu perco a onda, consequentemente, encontrarei outra, onde, mais uma vez, colocarei a culpa nas coisas que são o que são e se foi assim era porque estava escrito em algum lugar. Claro que é concebível e completamente aceitável acusar o destino ou qualquer outra força maior pelas escolhas que são fincadas no presente, mas partindo do pressuposto de que ninguém, além de nós mesmos respondemos pela nossa conduta ou predições futurísticas, por que deixamos na mão da fluidez das coisas as mais difíceis e incorrigíveis decisões? 
Seria, então, mais tangível, deixar de abranger e abrigar todas as circunstâncias capazes de restringir todas as nossas opções? De fato, não é requerido muita explicação ou questionários reflexivos em parcela. O Conselho Nacional das Decisões no Presente adverte: escolhas não se adiam, o passado esvaiu, e o destino, permuta, podendo não ter mãos suficientes para desenhar e construir alicerces no futuro. Objetivos não cessam e obviedades sempre prevalecem. Se não for pra ser, talvez, na verdade nunca tenha sido.
Joyce Gabriella Barros.

25 de Maio de 2015, PE, Brasil.

17 de fevereiro de 2016

Tudo é ínfimo

Chicago, IL, USA - University Village: photo January 2 11:07am
Não dá pra descartar o prazer de viajar sozinha. Sozinha mesmo. Entrar em contato consigo e com o que é sentido acerca da definição de mundo. Mesmo que por um certo trecho, um curto espaço de tempo, algo que ressalte uma efemeridade. Tudo é ínfimoInclusive a sensação de infinitude no universo, olhar pela janela ouvindo aquela trilha sonora inspiradora, e viajar... mais ainda, pra dentro de si. 
Às vezes você só quer ouvir o silêncio que você mesmo diz, a solidão de um trajeto aliado à paisagens maravilhosas, que no meu caso, podem ser desde as do Agreste, até visão panorâmica da janela do avião acima das grandes metrópoles americanas, por exemplo, que proporcionam grandes reflexões. Acho que é isso, estar sozinho é se encontrar, é não precisar ou depender. É ir. E a cada experiência desse tipo, por mais que curta, como anteriormente citei, muitas vezes são necessárias. Lugares onde a própria existência e companhia bastam, são lugares para serem preciosamente desfrutados e adorados no mais íntimo dos silêncios, e essa apreciação deverá ser sempre intrínseca à quem a sente, pelo fato do descobrimento ser um processo de magnitude do espírito.
Joyce Gabriella Barros.

4 de fevereiro de 2016

Para amar uma ruiva, por Camila Fernandes

Para amar uma ruiva é preciso haver coração de sobejo. Não que as ruivas não se amem facilmente. Na verdade, é comum que sejam amadas por muitos. Basta às vezes um só olhar para que isso aconteça. É que, uma vez acesa a chama, nunca será pequena; será sempre fogo denso, impiedoso, inquisidor. Portanto, para amar uma ruiva é preciso saber queimar. É preciso brincar sem medo com fogo. E é preciso também respeitá-lo – o fogo que nasce no crânio da ruiva feito cabelo, que lhe afogueia as faces. Um fogo que, quando afrontado, em lugar de aquecer, incinera. Judas tinha cabelos vermelhos, diz-se; como Esaú também os tinha, e antes dele, Caim. Waterhouse pintou Lamia, lenda de sedução, com cabelos vermelhos; as madeixas com que a Vênus de Boticcelli cobre languidamente o sexo não são de outra cor que não a do fogo. Cor que é certamente um sinal de perigo. Sinal claro de divindade. 

Para amar uma ruiva é preciso fitá-la intensamente nos olhos – sejam azuis do mar, verdes dos fiordes ou, mais raramente, castanhos como a terra que os consumirá – e provar-lhe a ausência do medo. Conquistá-la no olhar primeiramente, e só depois no toque – pois tu certamente quererás tocar a pele muito, muito clara, de uma claridade quase ofuscante, mesmo sob o sol maldoso dos trópicos. Quererás isso como teus pulmões querem o ar. Eu sei porque já quis. Mas, antes disso, terás de provocar seu sorriso, e embora sorrisos sejam fáceis na boca-morango da ruiva, não penses que serão todos teus. Alguns serão da tua tolice, da tua presunção, e estes ela te dará sem cerimônia, sem promessa, sem futuro. Serão paina ao vento, macios e inúteis. O sorriso que queres tomar da ruiva é o do fascínio. Pois ela, que fascina, não quer outra coisa que não ser fascinada. Ela é chama, e para incendiar deve ser alimentada com palavras hábeis, coração honesto, virilidade sem disfarces. É preciso atrevimento, mas nunca certeza; ela é amada por muitos, e pode escolher a quem amar. Então, quando obtiveres esse sorriso, estarás pronto para amar uma ruiva.

Para isso, começa sempre no beijo, mas que ele não seja sempre nos lábios-cereja, porque o óbvio a mortifica e ela deseja a surpresa, o ato que lhe faça justiça. Que teu beijo, pois, seja às vezes na superfície interna do pulso, onde veias de sangue azul chamam o olhar e provam que a pele é sensível; às vezes, no canto esquecido abaixo da orelha, que não é nem pescoço nem face, nem amor nem desejo – é algo entre mundos, e estar entre mundos é da natureza da mulher de cabelos carmesim, cobre ou dourado-fogo. Fica, pois, entre os mundos dela, como entre os lábios, entre os braços, entre os seios e afinal entre as coxas. Sem pressa, porém; pois para amar uma ruiva é preciso queimar como boa madeira no inverno: por toda uma noite, aquecendo a casa, crepitando baixo, estremecendo sempre até as cinzas. Para amar uma ruiva é necessário amar-lhe cada sarda, da testa ao ventre, saboreando-as como raspas de canela que temperam a pele-leite.

É preciso consumir-se nos cabelos-labareda. É preciso afogar-se no sexo, rubro jardim sem espinhos, e santificar seu aspecto perpetuamente virginal, a despeito do pecado, que ela te ensinará a adorar, se já não souberes. Para amar uma ruiva – e disso sei por já ter amado muitas – é preciso arder com graça. É preciso amar um pouco o próprio inferno. Por isso, ruiva, se é que deves mesmo me ferir, sê breve: tenho pressa do paraíso.

2 de fevereiro de 2016

Sobre a paranoia do egoísmo imortalizado

Ilustração: Felipe Frizon
Sim, o egoísmo exacerbado muitas vezes nos corrompe. Talvez seja a ser pouco tal adjetivo. Para adquirir mais intensidade, o egoísmo dilacera. Ele faz com que nós destruamos nossas vontades e aspirações mais ocultas, estejam elas distantes ou não das nossas mãos. 
O que acontece é que, ao tomar pra nós algum tipo de situação como verdade, a gente acaba retendo o mal por dentro - para os pessimistas de plantão, claro - e o que era colorido, vai sendo devorado por sei lá sabe o que, dragões de sangue e fogo inesgotável na garganta capazes e retrair toda aquela convicção que tínhamos até então. 
Um olfato sempre difere do outro, mas não se discute quando eles sabem do que ambos estão falando. Vai ver nem sempre é assim, mas o pior de tudo, é aquela ideia tendenciosa da consciência fazer todo um alarde em cima do visto enquanto o outro lado, para amenizar as coisas, fica fazendo joguinhos baratos de pleonasmos aleatórios, e isso não é saudável. 
É intransferível trocar os moldes comportamentais e emocionais e ver onde eles se encaixam melhor, talvez, reunir provas concretas daquilo que a imaginação insiste em dissipar pelas correntes da emoção e nunca: em hipótese alguma, guardar pra dentro de si. Vira bomba, e todos nós sabemos que toda bomba, uma hora vem à tona e torna a explodir. Ou melhor, implodir a nós mesmos.
Joyce Gabriella Barros.

12 de Janeiro de 2016 02:21am. Chicago, IL, USA,