13 de outubro de 2015

Intimidade: prós e contras, Martha Medeiros (1999)

imagem: tramp.com.br
        As pessoas desancam o casamento. Dizem que o amor mingüa, que o sexo começa a rarear, que a rotina é acachapante. Dizem, dizem, mas as pessoas seguem casando e mantendo-se casadas por quilométricos anos. Qual é a boa dessa história? Uma jóia chamada intimidade. Íntimos, muitos acreditam, são duas pessoas que possuem relações físicas e emocionais entre si. É bem mais que isso. Intimidade é você não precisar verbalizar tudo o que pensa, é aceitar a solidão do outro, é estarem familiarizados com o silêncio de cada um. Intimidade é não precisar estar linda em todos os momentos, não precisar ser coerente em todas as atitudes, é rirem juntos de uma história que só eles conhecem o final. Intimidade é ler os olhos, os lábios e as mãos de quem está com você. Mais do que repartir um endereço, é repartir um projeto de vida. Não basta estar disponível, não basta apoiar decisões, não basta acompanhar no cinema: intimidade é não precisar ser acionado, pois já se está mentalmente a postos. Intimidade é não ter vergonha de ser o que a gente é, não precisar explicar coisa alguma, ser compreendido e brigar sabendo que nada irá se romper. Intimidade é não precisar andar na ponta dos pés pelos corredores de uma vida compartilhada. Muitos mantém-se casados por causa desse idílio que é não precisar se anunciar todo dia como um investimento seguro, podendo inclusive usar aquelas camisetas puídas e comer o "s" de um palavra no plural sem que a sua cotação desabe. Só há uma coisa ruim na intimidade: a falta que faz um pouco de cerimônia. Calcinhas penduradas no banheiro, o telefonema sempre na mesma hora da tarde, o arroto que dispensa o pedido de desculpas, o lençol amarfanhado, a TPM todo santo mês, o mesmo perfume, as mesmas reações, o mesmo cardápio. O lado negro de um matrimônio feliz. 
      O casamento dá uma intimidade rara, apaziguadora, salutar. Não há máscaras nem teatro: é o habitat natural de um homem e de uma mulher que se querem como são. A intimidade salva as relações extensas, a não ser quando as corrói. Contradição maquiavélica. O melhor e o pior dos mundos, nos obrigando a escolher entre o habitual e a novidade, entre a paz e a adrenalina, entre a rede e o salto. Sedução x segurança: que vença o melhor.

23 de setembro de 2015

Assim falou Zaratustra, p. 17 - 19

Eu só amo aqueles que sabem viver como que se extinguindo, porque são esses os que atravessam de um para o outro lado. Amo os grandes desdenhosos, porque são os grandes adoradores, as setas do desejo ansiosas pela outra margem. Amo os que não procuram por detrás das estrelas uma razão para morrer e oferecer-se em sacrifício, mas se sacrificam pela terra, para que a terra pertença um dia ao Super-homem. Amo o que vive para conhecer e quer conhecer, para que um dia viva o Super-homem, porque assim quer o seu acabamento. Amo o que trabalha e inventa, a fim de exigir uma morada ao Super-Homem e preparar para ele a terra, os animais e as plantas, porque assim quer o seu acabamento. Amo o que ama a sua virtude, porque a virtude é a vontade de extinção e uma seta do desejo. Amo o que não reserva para si uma gota do seu espírito, mas que quer ser inteiramente o espírito da sua virtude, porque assim atravessa a ponte como espírito. amo o que faz da sua virtude a sua tendência e o seu destino, pois assim, por sua virtude, quererá viver ainda e deixar viver. Amo o que não quer ter demasiadas virtudes. Uma virtude é mais virtude do que duas, porque é mais um nó que se aferra o destino. Amo o que prodigaliza a sua alma, o que não quer receber agradecimentos nem restitui, porque dá sempre e não se quer preservar. 

Amo o que se envergonha de ver cair o dado a seu favor e que pergunta ao ver o tal: "Serei um jogador fraudulendo?" porque quer submergir-se. Amo o que solta palavras de ouro perante suas obras e cumpre sempre com usura o que promete porque quer perecer. Amo o que justifica os vindouros e redime os passados, porque quer que o combatam os presentes. Amo o que castiga o seu Deus, porque ama o seu Deus, pois a cólera do seu Deus o confundirá. Amo aquele cuja alma é profunda, mesmo na ferida, e ao que pode aniquilar um leve acidente, porque assim de bom grado passará a ponte. Amo aquele cuja alma transborda, a ponto de se esquecer de si mesmo e quando esteja nele, porque assim todas as coisas se farão para sua ruína. Amo o que tem o espírito e o coração livres, porque assim a sua cabeça apenas serve de entranhas ao seu coração, mas o seu coração leva a sucumbir. Amo os que são como gotas pesadas que caem uma a outra da sombria nuvem suspensa sobre os homens, anunciam o relâmpago próximo e desaparecem como anunciadores. Vede: eu sou um anúncio do raio e uma pesada gota procedente da nuvem; mas este raio chama-se o Super-homem.
Friedrich Wilhelm Nietzsche, filólogo, filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX.